Autoría: Beatriz Della Costa, Co-fundadora y Co-directora del Instituto Update, Brasil.
A igualdade de gênero está longe de ser uma realidade. Para chegarmos lá, o primeiro passo é imaginar. Como será o mundo quando homens e mulheres tiverem os mesmos direitos? Essa é uma pergunta que se estende para além de qualquer lei. Afinal, a mudança política é um dos primeiros passos da grande revolução social e cultural da igualdade de gênero.
Aprendi com as argentinas que, sendo a imaginação um exercício, o feminismo é a utopia do presente. Abro então a todas e todos as portas da minha máquina do tempo para um breve exercício de futuro.
Neste futuro, homens e mulheres vivem em igualdade social, cultural e política. A equidade é a base da sociedade. Não estamos falando, entretanto, de mulheres em quantidade, mas de mulheres com uma qualidade distinta – a consciência política de gênero.
Sim, esta utopia é feminista. Nela, o uso da empatia pragmática – a busca pelo entendimento dos diferentes pontos de vista e a construção de consensos – está no centro da democracia.
Vamos começar pelas instituições. Na minha imaginação política, a inclusão e a diversidade são a realidade dos parlamentos. E é por isso que existem creches nas sedes de todas – eu disse TODAS – as instituições. Além disso, o papel do cuidador é comum e natural. Trata-se, afinal, de uma profissão de grande qualificação e importância, já que sua função é essencial para o funcionamento de qualquer organização.
As reuniões noturnas foram abolidas, pois, obviamente, à noite todos precisam estar juntos em casa para dar conta do dia a dia. Isso também vale para aqueles que não têm filhos, que usam esse tempo para cuidar de si. As negociações mais importantes acontecem durante o café da manhã ou o almoço.
A licença maternidade e a licença paternidade são direitos inquestionáveis. O momento em que mães e pais se afastam do emprego para criar um bebê é encarado por todos (inclusive os empregadores) como uma celebração, até mesmo pelo fato de os funcionários voltarem ao trabalho com a criatividade à flor da pele.
A força militar não existe – pelo menos não na mesma proporção daqueles estranhos tempos patriarcais. “Vigiar” e “punir” são verbos esquecidos. A função da polícia é proteger e restaurar relações, enquanto o conceito de “penalidade” tem relação direta com autoconhecimento: é um processo de entendimento dos próprios erros. O trabalho da justiça se baseia na reparação e no elemento humano, jamais na repressão.
O papel do Estado na educação das crianças é tão pragmático quanto afetivo. Quando os pais faltam, o Estado acolhe e dá autonomia. E terapia é um item de cesta básica: para manter a população emocionalmente saudável, existe um grande sistema de atendimento psicológico.
Hora de sairmos das instituições, vamos dar uma volta pelas ruas. É incrível como tudo é arborizado e as bicicletas estão em primeiro plano, convivendo com um transporte público gratuito e limpo. Há uma urbanidade descentralizada, onde os bairros, autossustentáveis, contam com culturas e hortas locais.
Agora vamos bater à porta de uma casa deste novo mundo. Fique à vontade, se acomode nessa tão agradável… cozinha. É aqui que as coisas acontecem, é aqui que família e amigos constroem juntos, coletivamente, o ambiente familiar e social. Em volta do fogão, homens e mulheres, adultos e crianças, cozinham, produzem, comem, compartilham. Mas o equilíbrio entre o coletivo e o individual, a igualdade e a subjetividade, também é fundamental. Todos colaboram para que uma pessoa seja o que bem entender – os papéis sociais pré-definidos ficaram para trás.
Fui muito longe? Talvez. Mas a verdade é que nem comecei. Dar vazão à criatividade é preparar terreno para uma nova realidade. É criação de musculatura. Para criar futuros, nada como a imaginação política.